terça-feira, 17 de agosto de 2010

Eles me salvaram!

Por Celso Borges

Meu nome é Barbudo, mas pelas ruas me chamam de “passa-cachorro”, consequência da minha linhagem especial: pelo espetado, amarelado e duro. Meus adotados, de Uberaba (MG), me deixaram ver a Revista Seleções, em maio de 2010. Na página 155, eu delirei ao ver a foto de um possível irmão: Bilbo José. Meu pai era um cachorro, que andou pelas bandas de Sorocaba com todas as cadelas que levantaram a saia. Incrível coincidência! O Bilbo é a minha cara, e minha história lembra a dele e é bastante triste.

Eu, já fraquinho e desnutrido, fui atropelado. O motorista não me socorreu. Arrastando-me e sangrando muito, invadi a casa de desconhecidos e fui para os fundos esperar a dolorosa morte. Com medo, envergonhado, com febre e fome. Para minha sorte, fui localizado. Achei que seria expulso a vassouradas, mas me deram um lanchinho e me levaram a uma faculdade de Zootecnia. Para meu pavor, a “médica” ameaçou me sacrificar com uma enorme agulha de veneno se não me levassem embora, porque meus anjos-da-guarda estavam sem dinheiro no momento. Enquanto eu chorava de dor, sem socorro da médica, meus novos amigos foram correndo buscar cheques para garantir minha frágil vida. Mais pavor: depois de paga, a médica queria amputar minha patinha. Meus novos donos rosnaram e não deixaram. Ufa!

Eu estava com fratura exposta na pata dianteira, todo moído, sem parte do couro cabeludo, com o osso da cabeça à mostra e afundado. De tanto sofrer nas ruas, não contava com socorro. Nós morremos à míngua em todas as cidades, às vezes sacrificados, porque somos relativamente feios e poucos nos adotam. Por desamor, os motoristas não reduzem a velocidade ao nos ver, ignoram o quanto somos inteligentes, amáveis e gratos. Não entendo porque, quando o homem briga, chama o outro de “cachorro”. Em nossas brigas, nunca chamamos o cachorro inimigo de “homem”, seria muito ofensivo.

De tão chateados após meu sofrimento com a médica, meus donos, advogados, soltaram os cachorros, procuram a polícia e até um promotor de justiça, que tomou providências para que esse tipo de comportamento fosse eliminado. Mesmo com animais, a lei proíbe exigência de garantia prévia. Meus salvadores, Celso Borges e Maluzinha, gastaram três meses me fazendo curativos e me levando a veterinários. Eu detestei os mais de cinquenta pontos, as injeções e um cone horrível no pescoço. Dava-me a maior agonia canina não conseguir coçar as fieis pulgas e lamber os ferimentos.

Fiquei novo, meio careca – como o meu dono! –, e com uma pata dura que me dificulta escrever, desculpem-me pela letra. Já curado, não aguentei. Estava em longo recesso reprodutivo e, embora advertido diversas vezes, fugi. Que delícia! Fui para uma farra com belas gatas – ou melhor, cadelas – e perdi o caminho de volta. Nunca mais vi meus adotados. Sempre choro à noite, quando a saudade bate, ou quando ouço barulho de foguetes. Tive notícias de que me procuraram muito. Até ouvi na rádio a oferta de recompensa... Ninguém me ajudou a voltar. Ficaria muito feliz se algum bom coração me levasse para casa, onde nasci novamente e fui respeitado como uma criatura de Deus.

Publicado na Revista Seleções
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